quinta-feira, 8 de maio de 2008




UM VESTIDO BRANCO * de Marantbarfer

Um Vestido Branco


O tigre se quebrou rugindo. Com a ferocidade esperada bramiu assustadoramente, pela sala, para espanto e desespero de nossos olhos esbugalhados, que surpreendidos não acreditaram no escandaloso espetáculo que viram, não só pela perda da delicada peça como também pelo inusitado do show com cores tão magnificamente belas e fortes.
Com o choque, milhares de partículas tilintaram pelo chão rude e o velho mármore se abrilhantou com toda aquela vermelhidão. O cintilar diferenciado e especialmente azul da matiz, dos olhos em cristal do tigre dito africano, bailou sorrindo contrariando o rio de sangue da estrutura que moldava o corpo em vidro, cor de vinho.

O céu estava fechado em negro. Nem o brilho do tigre em vidro espatifado, nem o carnaval banal e indolente do Rio, naquele fevereiro de 1966 ou mesmo aquela bela mulher com suas coxas estupendamente belas e grossas, de pêlos grandes e dourados, foram capazes de clarear o tempo fechado e ruim que se estabelecera de forma tão cinzenta ante o vento inesperadamente forte.
Ela, com graça e leveza, varreu pacientemente todo o espaço e depois agachou-se delicada e descuidada para catar cada caco que aos poucos desapareciam em um saco pardo de papel grosso, que vinha nas compras do armazém. O vestido, generoso, apertava as curvas com cuidado e de tão curto deixava à mostra as pernas sedutoras da moça loura, sem falar no decote que apertava os seios delicados, reluzentes e rijos, que quase explodiam ali dentro. Duas casas estavam desabotoadas e as sardas douradas que se misturavam com aqueles cabelos sedosos, cor de sol ao meio dia, não me deixavam respirar.

- Gostou? Do meu vestido? É lindo não é? É um tubinho... Última moda na zona sul, sabia?
Pedi ao meu marido e ele comprou. Prefere que eu use só quando ele está, só para ele. Mas, às vezes eu uso escondido só pra ver o efeito que ele causa nos pobres mortais. Você é um mortal? - Ela sorria quando disse isso virando-se lentamente em minha direção. Além de tudo, noto agora nessa posição, que o tal vestido fica também transparente de tão branco e arrochado.

- Olhas é pra meu vestido, não é ? Vê lá, seu safadinho, você é um garoto, muito novinho mesmo. Bem que, com esse tamanhão todo você já causa impressão, não é mais um fedelho. Tem até pelinho no bigode! Quantos anos você tem? - Ela sem querer, eu achei na hora, abriu um pouco as pernas com sensual simplicidade e fez as minhas bambearem, com a visão mágica da sua gruta angelical, vestíbulo com lábios de prazer. Ela simplesmente não usava calcinha.
Eu queria sentar-me, sair, sumir, voltar, não sei. Tudo pela emoção incontrolável que jamais sentira antes e também pelo volume incômodo e inconveniente que já se destacava e que ela percebia, com seu jeitinho maroto.

- Quantos anos você tem, meu amor..? - repetiu, enquanto levantava-se lenta e provocantemente, a postar-se à minha frente com seus olhos vivos e brilhantes, fixo nos meus.

Meu corpo se arrepiara, todos os meus pêlos se eriçaram e a glande e o prepúcio tentavam rasgar violentamente minha calça sem que eu tivesse qualquer controle. Aliás eu nem tentava, não conseguia raciocinar, havia uma pressão enorme em minha cabeça e todo o meu sangue pressionava todas as partes do meu corpo como se tivesse multiplicado a litragem disponível por dez, por cem, por mil.

-Dezessete. Tenho dezessete anos! - menti, meio sem jeito.
- Dezessete? Tem certeza? Eu imaginei uns quinze e já considerei que era bom... Pensei que iria te inaugurar. Mas com dezessete você já um homem experiente, não é? Já conheceu muitas meninas... Elas estão por aí, por toda parte, se insinuando, correndo de encontro ao que parece ser maravilha, ao que pode ser benção. Um pedaço de homem como você já se esbaldou por aí! - Ela falava e sorria levemente. Acho que sabia que eu não tinha aquela idade coisa nenhuma e que ainda por cima era vergonhosamente virgem. Eu não sabia como agir, o que fazer, o que dizer, estava perdido na emoção e o pau lá, desconcertantemente duro.
Ela se aproximou ainda mais de mim, roçou seus lábios absolutamente vermelhos nos meus trêmulos e gelados, meteu sua língua em minha boca e com a mão direita tocou a profundidade da minha alma, que a essa altura morava dentro da minha braguilha e por pouco não ejaculei precocemente e estraguei tudo. Seu corpo fervia e o meu destilava. Tentei colocar minha mão direita em seu ombro e não consegui. Tentei dar um passo à frente para encostar meu corpo no dela, mas estava petrificado, era uma estátua grega. Um poste de esquina.
- Escute, disse ela com a boca quente mordendo minha orelha prenhe e com a língua sanha roçando o meu ouvido. Não faça nada, absolutamente nada. Deixe que eu cuido de tudo isso. Sei que está perturbado por estar na casa de uma mulher casada, proibida, com a responsabilidade de administrar e satisfazer esse Constelletion que está à suas mãos. Eu sei que é areia pra caramba, um tremendo carregamento, mas confio em seu caminhãozinho e quero, faço questão de diversas viagens, hein? É uma ordem. O importante está resolvido, essa sua coisa está super dura. Aliás, doentiamente duro, duríssimo esse seu pau. O restante, é comigo.

- Ela falava com a boca dentro do meu raciocínio e me enlouquecia. Não havia pensado em seu marido coisa nenhuma e não queria pensar, já que ele nem existia pra mim até então. Queria sim que ela começasse logo, me comesse de uma vez, me atirasse nas alturas. Queria olhar aquele corpo nu, toca-lo, envolvê-lo e sentir todos aqueles pêlos dourados e maravilhosos em minhas mãos, em minha boca, sei lá...

Num repente saí da estagnação e comecei a tirar minhas roupas freneticamente. Saí arrancando botões da camisa, dilacerando a calça, atirando tênis para longe, meias e tudo o mais. Ela tratou de proteger seu vestido maravilhoso, o grande responsável e inspirador do momento mais extraordinário da minha vida, até então. Mas eu, surpreendentemente, usei de uma delicadeza adulta, madura mesmo, ao desnudá-la. Tinha pressa e loucura, curiosidade e torpor, mas sabia que aquela monumental maravilha tinha que ser sorvida com acalantos de Espanha, umedecida com o leite da mais pura cabra unicórnia do Olimpo, que levita aos cânticos dos anjos. O que aquela mulher me proporcionava naquele momento inesquecível devia ser brindado com vinhos raros no mais puro cristal, numa rua branca da Grécia.
Ela fazia de mim um homem de verdade, sendo iniciado com a mais fina flor do campo, presente de rei que entraria para a minha história e me marcaria a vida para todo o sempre. Talvez ela nem soubesse o quão santificado era aquele instante mágico e a importância de seu gesto prazeroso e nobre, nessa ordem.

Acho até hoje que os sofás são flutuantes conchas de outro mundo, naves mágicas feitas para o amor louco e desvairado de amantes cegos e desesperados, que mergulham como bárbaros irrecuperáveis num mar em eflúvio sacro inexplicável. Descobri naquele dia, que camas são dispensáveis objetos utilizados em momentos mornos e tristes dos cansados e vadios, das práticas convencionais, banais. Mas nos arroubos, o sofá é imbativelmente prazeroso.


Não tenho a pretensão de contar-lhes um caso libidinoso, embora nossa trepada, se me permitem o termo (mas não posso usar outro pra relatar aquela coisa fantástica), não tivesse sido nada convencional. Não foi mesmo. Mas eu não quero e não vou fazer disso um conto erótico vulgar qualquer. Aquele amor merece respeito.
Portanto não vou entrar em detalhes sobre a boca estupendamente ágil daquela mulher, as luas que me fez vagar como um cego alucinado, os urros animalescos que me provocou. Não vou contar o que me ensinou fazer com minha boca virgem, nada do momento angelical ou talvez brutal da delirante introdução, do contínuo exercício de um vai-e-vem desconcertante, só superado pelo final arrebatador e desesperado que quase nos fez desmaiar de luxúria. Isso tudo, vocês podem imaginar e é desnecessário dizer que o nosso amor nos levou à fraqueza e total prostração, além de uma surpreendente sensação de prazer em borbulhas e desvio total da razão em função do gozo múltiplo, prolongado e inebriante. Impossível traduzir em palavras tudo o que aconteceu e por ser inenarrável prefiro deixar que vocês imaginem.

- Você quase me enganou, não pensei que tivesse todo esse potencial. Vou ensinar-lhe mais coisas, segredinhos da prática, caminhos desavergonhados e sacanas, nas nossas próximas vezes, eu tenho certeza que haverá próximas vezes, afinal só depende de você.
Tudo isso é nossa profunda intimidade, tá? – afirmou sorrindo.

Veio a hora em que a cama tem importância, a hora do descanso do guerreiro e sua algoz.
Meu corpo, coberto em parte pelo lençol branco perfumado de loucura e amor, ainda tentava ocultar minha elogiável potência juvenil. Onde andará hoje em dia, a tal...?

Ela, não. Para meu encanto permanecia nua, à vontade, irradiando ardor e incredulidade.
Fumava um longo cigarro e soltava um turbilhão azulado de fumaça para o alto, no lustre, onde quase estivemos a minutos atrás, em nosso delírio.
Virou-se de lado em minha direção em um movimento angelical, flutuante e felino, como uma fera devoradora e propensa a ser devorada, com ardor. Pousou a cabeça em meu pálido, frágil e quase raquítico peito de macho, com seus três únicos pêlos imperceptíveis e pareceu pensar alto, séria pela primeira vez desde que nos amamos.
- Isso é nosso segredinho...!- sussurrou com voz pausada.
- Eu sei que não é mole ficar impedido de contar para seus amigos mais chegados o nosso caso, nossa aventura. Eu mesma gostaria de contar a minha única amiga nesse lugar, que namorei um menino lindo, entregador de tigres que se desintegram em nossas salas, mas que se revelou um amante muito bom, embora tão jovem.
Mas não posso fazer isso, é muito perigoso. A maioria das pessoas, principalmente os homens, gosta de amar a quem deseja, quando bem entende, mas não suporta a idéia de que a outra parte o faça. Até mata por isso em nome de uma honra, de um grande amor. Balelas, tudo é só egoísmo covarde, não passa do uso impróprio da vida alheia, de uma autoridade não aferida... Amar é outra coisa, é doação, entrega por merecimento e carinho. Tudo isso é como ir ao cinema no fim de tarde e tomar um sorvete na bomboniere do centro da cidade, distraidamente, em paz, um modo leve de ser feliz. Pelo menos para mim é assim, é só amor!
Permito tranqüilamente que você ame quem quiser, desde que volte correndo para mim... - riu.
Eu soube que seu marido era um sujeito violento, não a respeitava, a tratava como a um objeto, uma serviçal de cama e mesa e que considerava um favor cuidar dela minimamente, sem atenção, sem dedicação alguma, sem amor. Ele não a merecia.
A envolvi em meus braços e a beijei com uma força que até então desconhecia, tive medo de perdê-la, de ela não aceitar meu carinho, considerar a brincadeira acabada por hoje, afinal estava tão séria. Mas ela se entregou e me beijou com ternura diferenciada, como não o fizera antes. Queria-me como eu a ela, com amor e desejo, me tratava como a um homem feito.
A virilidade reagiu brilhantemente ao momento e mostrou-se solícita como era de se esperar,
mas um som gritante ecoou por todo o ambiente de forma espantosa, me assustando como a um rato. Demorei para dar-me conta de que era o som de um estridente despertador. Num salto de instinto, de beleza magnífica, ela ficou de pé sobre mim. Com aquele desenho inesquecível e aquela fenda maravilhosa e perfumada que me enfeitiçava, ali; na minha cara.
- Acabou-se o que era doce... Ele chega já, já... - disse-me ela meio apreensiva.
- Antes de ir diga-me o seu nome todo... O meu é só Jô... – deu de rir, enquanto me dava dezenas de beijocas gostosas e alegres.
- Eu..? – gaguejei como o idiota que realmente era.

- Eu sou o Marco. Quer dizer... O Zé Marco... - Até hoje não sei porque menti meu nome!

Lembro que quando saí pela rua naquela tarde gostosa, o céu tinha um azul lindíssimo. Bem diferente do céu que eu tinha visto quando cheguei, dos céus que tinha visto por toda a minha vida. Eu andava meio que correndo, quase navegando na alegria. Em todas as lojas tocavam músicas maravilhosas, lindíssimas, The Mammas and The Papas cantavam Monday Monday e as meninas na rua me olhavam de um jeito diferente, maduro, me deixando confortavelmente feliz, a vida era surpreendentemente mais adorável do que antes.
Não sei porque, mas estava escrito em minha cara: "Eu sou o maior! Eu sou do cacete!"
O endereço da minha loura jamais esqueci. Vivemos muitos momentos inesquecíveis e nossa entrega está em minha pele até hoje.
Como fomos felizes!

Fim